domingo, 21 de julho de 2013

O que vocês acham?

Queda que as mulheres têm para os tolos


Texto-fonte:
Obra Completa, Machado de Assis,
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, V.III, 1994.
Publicado originalmente em A Marmota, Rio de Janeiro, 19, 23, 26 e 30/04 e 03/05/1861.
Permaneceu por muito tempo este sistema irreverente.
Hoje, graças a Deus, a verdade se descobriu: veio a saber-se que as mulheres escolhem com pleno conhecimento do que fazem. Com­param, examinam, pesam, e só se decidem por um, depois de veri­ficar nele a preciosa qualidade que procuram.
Essa qualidade é... a toleima!
Desde a mais remota antiguidade, sempre as mulheres tiveram a sua queda para os tolos.
 "O tolo não se faz, nasce feito."
 Em matéria de amor, deixa-se o homem de espírito embalar por estranhas ilusões. As mulheres são para ele entes de mais elevada natureza que a sua, ou pelo menos ele empresta-lhes as próprias idéias, supõe-lhes um coração como o seu, imagina-as capazes, como ele, de generosidade, nobreza e grandeza. Imagina que para agradar-lhes é preciso ter qualidades acima do vulgar. Naturalmente tímido, exagera mais ao pé delas a sua insuficiência; o sentimento de que lhe falta muito, torna-o desconfiado, indeciso, atormentado. Respei­toso até à timidez, não ousa exprimir o seu amor em palavras; exala-o por meio de uma não interrompida série de meigos cuidados, ternos respeitos e atenções delicadas. Como nada quer à custa de uma indignidade, não se conserva continua mente ao pé daquela que ama, não a persegue, não a fatiga com a sua presença. Para interessá-la em suas mágoas, não toma ares sombrios e tristes; pelo contrário, esforça-se por ser sempre bom, afetuoso e alegre junto dela. Quando se retira da sua presença, é que mostra o que sofre, e derrama as suas lágrimas em segredo.
O tolo, porém, não tem desses escrúpulos. A intrépida opinião que ele tem de si próprio, o reveste de sangue frio e segurança.
Satisfeito de si, nada lhe paralisa a audácia. Mostra a todos que a ama, e solicita com instância provas de amor. Para fazer-se notar daquela que ama, importuna-a, acompanha-a nas ruas, vigia-a nas igrejas e espia-a nos espetáculos. Arma-lhe laços grosseiros. À mesa, oferece-lhe uma fruta para comerem ambos, ou passa-lhe misterio­samente, com muito jeito, um bilhete de amores. Aperta-lhe a mão a dançar e saca-lhe o ramalhete de flores no fim do baile. Numa noite de partida, diz-lhe dez vezes ao ouvido: "Como é bela!", por­quanto revela-lhe o instinto, que pela adulação é que se alcançam as mulheres, bem como se as perde, tal como acontece com os reis. De resto, como nos tolos tudo é superficial e exterior, não é o amor um acontecimento que lhes mude a vida: continuam como antes a dissipá-la nos jogos, nos salões e nos passeios.
 O tolo é um amante sempre contente e tranqüilo. Tem tão robusta confiança nos seus predicados, que antes de ter provas, já mostra a certeza de ser amado. E assim deve ser. Em sua opinião faz uma grande honra à mulher a quem dedica os seus eflúvios. Não lhe deve felicidade; ele é que lha dá; e como tudo o leva a exagerar o benefício, não lhe vem à idéia de que se possa ter para com ele ingratidões. Assim, no meio das alegrias do amor, saboreia ainda a embriaguez da fatuidade. Mas como, em definitivo, é ele próprio o objeto de seu culto, depressa o tolo se aborrece, e como o amor para ele não é mais que um entretenimento que passa, os últimos favores, longe de o engrandecerem mais, desligam-no pela sociedade.
 O néscio , como não é ele quem ama, é ele quem domina. Para vencer uma mulher finge por alguns momentos o excesso de desespero e de paixão; mas isso não passa de um meio de guerra, tática de cerco para enganar e seduzir o inimigo. Logo depois recobra ele a tirania, e não a abdica mais. Para entreter-se nisso, tem o tolo o seu método, as suas regras, a sua linha de con­duta. É indiscreto por princípio, porquanto divulgando os favores que recebe, compromete a que lhe concede e ao mesmo tempo afasta as rivalidades nascentes. É suscetível pela razão, cioso por cálculo, a fim de promover estes proveitosos amuos, que lhe servem, a seu grado, para conduzir a uma ruptura definitiva, ou para exigir um novo sacrifício. Mostra uma cruel indiferença, indicando pouca con­fiança nas provas de simpatia que lhe dão. Num baile, proibindo à sua amante de dançar, não faz caso dela, de propósito. Aflige-a com aparências de infidelidade, falta à hora marcada para se encon­trarem, ou, depois de se ter feito esperar, vem, dando desculpas equívocas de sua demora. Hábil em semear a inquietação e o susto, faz-se obedecer à força de ser tirano, e acaba por inspirar uma afeição sincera à força de promovê-la.
O tolo está acima dessas misérias. Não o assusta um futuro prenhe de qualquer inquietação aflitiva. Sempre acobertado pela bandeira da inconstância, desfaz-se de uma amante sem luta, nem remorsos; utiliza uma traição para voar a novas aventuras. Para ele nada há de terrível em uma separação, porque nunca supõe que se possa colocar a vida numa vida alheia, e que fazendo-se um hábito dessa comunidade de existência, faz-se pouco novamente sofrer, quando ela tiver de quebrar-se.
Da mulher, que deixa de amar, ele só conserva o nome, como o veterano conserva o nome de uma batalha para glorificar-se, ajun­tando-o ao número das suas campanhas.
O tolo, porquanto cada dia que passa não lhe faz achar no amor um bem mais caro, ou mais difícil a conquistar. Não tendo sido, nem melhorado, nem en­durecido pelos reveses da vida, continuando a ver as mulheres com o mesmo olhar, exprime-lhes os seus amores com as mesmas lágrimas e os mesmos suspiros que lhes reserva para pintar os antigos tor­mentos. E como ele só exigiu sempre delas aparências de paixão, vem facilmente a persuadir-se que é amado. Longe de fugir, perse­vera e — triunfa.
O tolo é fortíssimo em correspondência amorosa, e tem consciên­cia disso. Longe de recuar diante da remessa de uma carta, é muitas vezes por aí que ele começa. Tem uma coleção de cartas prontas para todos os graus de paixão. Alega nelas em linguagem brusca o ardor de sua chama; a cada palavra repete: meu anjo, eu vos adoro. As suas fórmulas são enfáticas e chatas; nada que indique uma per­sonalidade. Não faz suspeitar excentricidade ou poesia; é quanto basta; é medíocre e ridículo, tanto melhor. Efetivamente o estranho que ler as suas missivas, nada tem a dizer; na mocidade o pai da menina escrevia assim; a própria menina não esperava outra coisa. Todos estão satisfeitos, até os amigos. Que querem mais?
O tolo não atrapalha, nem ofusca as mulheres. Desde a pri­meira entrevista, ele as anima e fraterniza-se com elas. Eleva-se sem acanhamento nas conversas mais insulsas, palra e requebra-se como elas. Compreende-as e elas o compreendem. Longe de se sentirem deslocadas na sua companhia, elas a procuram, porque brilham nela. Podem diante dele absorver todos os assuntos e conversar sobre tudo, inocentemente, sem conseqüência. Na persuasão de que ele não pensa melhor, nem contrário a elas, auxiliam o triste, quando a idéia lhe falta, suprem-lhe a indigência. Como se fazem valer por ele, é justo que lhe paguem, e por isso consentem em ouvi-lo em tudo. Entre­gam-lhe assim os seus ouvidos, que é o caminho do seu coração, e um belo dia admiram-se de ter encontrado no amigo complacente um senhor imperioso!
 Compreende-se, por este curto esboço, como e quanto diferem os tolos e os homens de espírito nos seus meios de sedução. A conclu­são final é, que os tolos triunfam, e os homens de espírito falham, resultado importante e deplorável, nesta matéria sobretudo.
Depois de ter indagado as causas da felicidade dos tolos, e da des­graça dos homens de espírito: perderemos tempo precioso em acusar as mulheres? Não hesitamos em deitar as culpas sobre os homens de espírito, como fez o profundo Champcenets.
Por que não estudam os tolos, diz-lhes este autor, para conseguir imitá-los? Há de custar-vos muito fazer um tal papel: mas há pro­veito sem desar? E depois, quando assim sois a isso obrigado, visto como não vos dão outro meio de solução, querer subtrair o belo sexo a império dos tolos, descortinando-lhe a perversidade do seu gosto, é coisa em que ninguém deve pensar, é uma loucura; fora o mesmo que querer mudar a natureza, ou contrariar a fatalidade.
Porquanto, ficai sabendo, continua Champcenets, que as mulheres não são senhoras de si próprias; que nelas tudo é instinto ou tempe­ramento, e que portanto elas não podem ser culpadas de suas pre­ferências. Só respondemos pelo que praticamos com intenção e dis­cernimento. Ora, qual delas pode dizer que predileção a impele, que paixão a obriga, que sentimento a faz ingrata, ou que vingança lhe dita as malignidades? Debalde procurareis delas tão cruel prodígio; nenhuma é cúmplice do mal que causa: a este respeito, o seu estou­vamento atesta-lhes a candura.
Por que vos obstinais em pedir-lhes o que a Providência não lhes deu? Elas se apresentam belas, apetitosas e cegas: não vos basta isto? Querê-las com juízo, penetrantes e sensíveis, é não conhecê-las.
Procurai as mulheres nas mulheres, admirai-lhes a figura elegante e flexível, afagai-lhes os cabelos, beijai-lhes as mãos mimosas; mas tomai como um brinquedo o seu desdém, aceitai os seus ultrajes sem azedume, e às suas cóleras mostrai indiferença. Para conquistar esses entes frágeis e ligeiros, é preciso atordoá-los pelo rumor dos vossos louvores, pelo fasto do vosso vestuário, pela publicidade das vossas homenagens.
Sim, sim, é mister ousar tudo para com as mulheres.

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